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31 de março de 2016

Outro sonho

Durante grande parte da minha infância, tive um determinado sonho de forma muito recorrente. Nele, eu estava sempre em um mesmo local, que meu vocabulário limitado reconhecia apenas como um "pátio", esperando uma "pessoa muito importante". O pátio era cercado por quatro prédios de dois andares, que pareciam igrejas. De cada uma das quatro extremidades onde os prédios se encontravam, saía um caminho, que cortava a grama e dava em um chafariz que ficava bem no centro.  No sonho, acontecia sempre a mesma situação: eu adentrando o tal pátio e observando a construção, a grama e o chafariz enquanto esperava e sentia a presença da tal "pessoa importante", a quem eu também me referia às vezes como "pessoa superior". Eu lembro da ansiedade que o encontro iminente com essa pessoa me causava, mas ela nunca aparecia, o sonho sempre acabava antes dela chegar.

Lembro de inúmeras vezes acordar e pensar: "sonhei de novo que esperava a pessoa importante no pátio da igreja". Os detalhes e a dinâmica sempre se repetiam exatamente da mesma maneira e aquilo virou uma coisa bastante normal para mim. Parei de ter esse sonho por volta dos 12 anos, mas de vez em quando ainda me lembrava dele, devido à recorrência e, principalmente, ao fato de que ele era nítido, lúcido, diferente de qualquer outro sonho que eu já havia tido. Me intrigava também não lembrar de já ter estado ou sequer visto nenhum lugar parecido com aquele.

Algum tempo se passou e quando eu tinha por volta de 26 anos estive em Lisboa pela primeira vez. Conheci lugares lindos, turísticos e não turísticos, detalhes da cidade, enfim. E um desses locais foi o Mosteiro dos Jerônimos. Lembro de pouca coisa antes de entrar no prédio além do calor e de um sol devastador. Era julho e a fila de turistas estava imensa. Provavelmente entrei no local sem prestar muita atenção, querendo, de imediato, apenas uma sombra depois de uns 30 minutos na fila debaixo de sol. Mas o fato é que quando pisei dentro mosteiro, entendi imediatamente que aquele era o lugar que durante tanto tempo apareceu meus sonhos e esse reconhecimento aconteceu de uma forma quase física, foi como levar um soco, tamanha a violência da surpresa. O tal pátio de igreja cercado por quatro prédios nos meus sonhos antigos era exatamente aquele claustro, ou seja, o pátio interior do mosteiro, cuja arquitetura eu associava a uma igreja. As janelas, corredores, os caminhos, a grama, o chafariz... tudo exatamente no mesmo lugar. Havia anos que eu não tinha mais aquele sonho, entretanto, bastaram alguns segundos para eu compreender que estava dentro dele. 

Fiquei pensando em como eu poderia já ter visto aquilo antes. Livros? Filmes? Escola? Mas comecei a ter o sonho antes dos 8 anos, quando era bem pouco provável que eu tivesse tido acesso àquela imagem ou algo relacionado a ela. E mesmo que em algum momento da minha infância eu tivesse visto uma fotografia do local, como a memória teria sido tão vívida por tanto tempo? Em tantos detalhes? E por que aquele sonho tinha se repetido tanto, da mesmíssima maneira e por tantos anos? Estava tudo exatamente como sempre foi no sonho, só faltava a tal "pessoa importante", "superior", cuja presença era sempre tão forte e, ao mesmo tempo, ausente, uma vez que nos meus sonhos eu esperava por ela, mas ela nunca aparecia. Pensei nisso e só demorei alguns segundos para lembrar que o claustro do Mosteiro dos Jerônimos é o local exato onde estão os restos mortais de Fernando Pessoa.





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